Garbage mostra sua força em show no Rio

Eu não me lembro quando foi a primeira vez que ouvi Garbage, mas lembro que a música foi Androgyny. Sempre fiquei muito intrigada com essa música, na real. Acho que foi uma das canções que mais conversou comigo na adolescência complicada e cheia de incertezas. E foi assim que o Garbage começou a se tornar uma banda relevante na minha história.
Fotos por Leo Figueiredo

Com vinte e três anos de carreira e seis álbuns de estúdio lançados, o Garbage carrega também o peso de ser formado por músicos que já eram experientes desde antes de sua formação, incluindo o produtor Butch Vig (responsável pelo disco Nevermind, do Nirvana). Uma banda com esse currículo já seria alvo fácil do meu interesse como profissional, mas ainda tinha algo mais. Desde o dia em que o show foi anunciado, eu estava com um frio esquisito na barriga. Parecia que eu estava prevendo o que estava por vir.

Às 15h30 de domingo eu estava na porta do Circo Voador, sentindo um calor que decidiu aparecer para mostrar logo que nosso verão não será fácil. Alguns minutos depois, eu e um pequeno grupo entramos na casa para assistir à passagem de som do Garbage, que na verdade teve mais cara de pocket show. Do meio do caminho, quando percebi que a banda já estava em cima do palco esperando por nós, o estômago gelou. Desde então já dava para notar a simpatia da vocalista Shirley Manson, a mais comunicativa deles, que distribuiu sorrisos e gestos para os presentes durante todo o tempo.
Depois disso, a banda sentou no palco para um informal Q&A. Entre as respostas, uma em especial me chamou muita atenção. Ao ser perguntada sobre ser um sex symbol, Shirley disse que foi ótimo para a banda pela atenção que isso chamava. Mas para ela, foi péssimo. Ela falou um pouco sobre a luta que ela teve consigo mesma para superar a ideia de que ela só era admirada pela beleza física, e não pelo trabalho que fazia, e concluiu dizendo para cada uma das meninas presentes que nós não temos que ser apenas bonitas. Depois de responder às perguntas, a banda desceu do palco para a sessão de fotos individuais. E foi aí que eu tive a oportunidade de dizer aos integrantes (exceto Butch Vig, ausente por motivos de saúde) que eles foram uma banda essencial na minha carreira de produtora. Shirley Manson me disse que nós precisamos de mais mulheres produzindo música. E eu estou com essa frase batendo na minha cabeça desde então.
Depois de me recuperar um pouco da experiência, entrei novamente no Circo para aguardar o show. A abertura foi por conta da banda paulista BBGG, banda formada por três garotas e um cara que mantiveram a minha vibe girlpower. Uma boa referência para o som delas seria The Runaways, com aquele mesmo rock rápido que faz todo mundo bater cabeça. Fizeram uma ótima estreia em solo carioca.
O Garbage subiu ao palco com Supervixen e mostrou porque é uma das maiores bandas de rock alternativo da história. Com a ajuda do público, mandou sons como I Think I'm Paranoid, Stupid Girl, Sex Is Not the Enemy (que foi precedida por um emocionante discurso sobre o empoderamento LGBT), Even Though Our Love Is Doomed, Why Do You Love Me e Shut Your Mouth. Diferente de outras bandas com tantos anos de estrada, não havia nenhuma estranheza do público com as músicas mais recentes, do álbum Strange Little Birds (lançado em 2016). A sonoridade da banda não sofreu nada com o tempo e mesmo as músicas mais pops estavam carregadas no palco. A voz da Shirley, levemente mais grave do que aquela que estamos acostumados a ouvir em estúdio, na verdade me soou até melhor ao vivo. Only Happy When It Rains foi quase como um tiro sensorial, definitivamente a melhor performance da noite. Mesmo o calor escaldante, que estava claramente incomodando a vocalista escocesa, não foi suficiente para impedir os pulinhos e danças em Push It, que encerrou a primeira parte do show. O bis começou com Queer, seguido de Empty (a música que eu mais queria ouvir no show e que se tornou a minha favorita da banda) e encerrou com Cherry Lips.
Sempre que eu vejo bandas muito antigas na estrada, eu penso em como deve ser emocionante para os integrantes verem o público ali, lotando a casa, cantando junto e se divertindo mesmo depois de tanto tempo. No caso do Garbage, isso ficou claro. Os músicos se emocionaram em vários momentos, assim como nós, que somos tocados pelas letras e melodias deles.
Acordei na segunda-feira com a sensação de ter vivido um sonho. Toda vez que me irrito ou fico triste com algo, eu lembro de tudo o que passei. Eu lembro da reação de surpresa dos integrantes, especialmente da Shirley, quando eu disse que sou produtora. Eu lembro que existem mulheres como ela que me mostram que é possível. Que nós não estamos sozinhas. E que nós também podemos vencer.

E tem gente que acha que música não salva vidas.

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