Sobre selfies e shows de rock

Eu amo fotografia, amo imagens e as formas e técnicas para capturá-las são algo que fazem parte até da minha vida profissional. Mas no campo pessoal, isso não me impede de ter uma opinião um tanto quanto controversa sobre o assunto. Capturar momentos em imagens é lindo. Viver momentos é mais lindo ainda. Se capturar a imagem é sua forma de viver o momento, ótimo - você está em equilíbrio e eu te invejo.


O mais comum, porém, são pessoas que não estão nem aí para o momento. A diversão está em compartilhar o momento. Bendita internet maldita, jogou fora todo o nosso conceito sobre privacidade e revolucionou o significado da palavra "fofoca".

Mas voltemos aos momentos. Existe um vício social chamado "selfie" em que a graça não é nem mais compartilhar o momento, e sim compartilhar "como está a minha cara neste momento". O momento já foi, já passou, já era. O fulano nem viu o momento acontecer. Mas a expressão que ele forçou para sair bem na fotografia, e aquela legenda com um trocadilho genial, ah! Essas estão guardadas para sempre.

Enquanto esse vício permanece entre pessoas comuns e indiferentes como nós, ele pode ser qualificado apenas como um hábito estúpido. O problema é que, há alguns dias atrás, eu testemunhei uma faceta nova desse caso de narcisismo. Contarei do início.

Não lembro se foi em março que iniciaram-se as vendas de ingressos para o show do 30 Seconds to Mars no Rio. Comprei o meu por essa época. O show, que seria em maio, foi adiado para outubro. Guardei o ingresso na gaveta e fui viver minha vida sem pensar muito no assunto. Mas com outubro veio uma ansiedade que, até então, eu nem sabia que estava aqui.

No sábado, acordei cedo para trabalhar cedo e ir embora cedo. Passei em casa só para trocar de bolsa e lá fui eu para a Fundição Progresso, enfrentar uma fila que já virava a esquina. Quando finalmente entrei, comprei um energético e me aquietei em um bom lugar - longe do palco, mas com uma vista perfeita e com pouca gente em volta, me dando espaço para pular e surtar sem matar ninguém.

This is my spot.
E foi o que fiz pelas primeiras oito músicas do show. Até que entramos no momento acústico e nosso belo frontman Jared Leto decidiu parar para respirar, conversar com o público e tirar uma selfie. Eu sentei no chão e aguardei enquanto ele tirava a bendita selfie, e outra, e gravava um vídeo, e outro, e tocava segundos das minhas músicas favoritas no violão, claro, com algumas interrupções para posar para as fotos que o público tirava.

"Minha cara no Rio." / "Minha mesma cara no Paraguai." (Reprodução: Instagram)
Claro que os fãs acharam isso lindo, mas é porque o ser humano é besta e idolatra a pessoa quando o que bate mesmo é a música, é a arte que a pessoa faz. Claro que o número de curtidas daquelas selfies foi, em dois minutos, maior do que todas as curtidas da minha vida (e provavelmente da sua) somadas. Claro que eu sou minoria por não achar aquilo o máximo.

Será que só eu estou notando a quantidade de momentos arrancados de nós, interrompidos, e que nunca mais poderão voltar? E essa valorização da imagem da pessoa antes de suas próprias características? Foi essa mesma valorização que matou uma princesa anos atrás, aliás, enquanto ela fazia de tudo para fugir. Hoje nos jogamos de cabeça, incentivamos e achamos lindo. O artista está prestes a parar de vender a sua arte para focar apenas na sua imagem, e me dói saber que às vezes, um meet-and-greet de segundos é mais caro que o próprio ingresso de uma apresentação.

Mas esse é o mercado. E enquanto há quem compre, nós vamos continuar vendendo. E lucrando bastante com isso.



P.S.: Eu adoro o 30STM e vou continuar ouvindo as músicas deles. Mas confesso que ultimamente tenho evitado olhar muito para a cara do Jared.

P.S. 2: Eu costumo pagar meet-and-greet, mesmo que dure segundos. Acredito que é uma oportunidade de dizer "obrigada" aos artistas que fizeram a diferença na minha vida com a sua arte, e me sinto melhor comigo mesma por fazer isso.

P.S. 3: Eu também tiro fotos de tudo. Também tiro selfies. No momento, estou tentando me desintoxicar e olhar mais para o mundo fora da tela do celular. Ele costuma ser bonito. :)

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