Em show intimista, Deia Cassali revive grandes títulos do rock

Dizem que carioca não gosta de sair na chuva, e no último sábado deu para entender o motivo. Após passar uma hora e quarenta minutos tentando conseguir um táxi, encarei alguns trechos alagados e bastante trânsito até finalmente chegar ao Espaço Marun, no Catete, onde aconteceria um dos shows mais intimistas que tive o prazer de ver no Rio de Janeiro. Logo no início da minha jornada, quando a chuva começou, já previ uma das características da noite: ela seria reservada aos poucos que estavam dispostos a enfrentar aquilo tudo para chegar até ali. E em vez de desanimar pelos poucos presentes, a decisão das bandas me pareceu ser a de honrar cada um dos que estavam ali, a começar pela banda 161, primeira a se apresentar, que estavam cheios de um gás que se explica somente pela paixão de estar no palco. Vindos da Zona Norte do Rio, os meninos apresentaram um repertório de músicas autorais com influências de O Rappa e Charlie Brown Jr, além de covers destas bandas. A aparente pouca idade dos integrantes em nada influenciou a qualidade do som, bastante maduro e bem construído. Senti neles aquela pegada rápida e urgente de quem tem algo a gritar para o mundo e, principalmente, de quem quer ser ouvido. A vocês, apenas um pedido: continuem assim e não deixem nada tirar essa vontade daí de dentro.
A graça de estar em vários shows da mesma banda é poder justamente observar o que há de diferente em cada um. De todas as vezes em que vi a Radioativa ao vivo, essa definitivamente foi a mais próxima. E mesmo com a amizade que já criamos, acredito que eu nunca tenha me sentido tão "em cima do palco" quanto dessa vez. A acústica do lugar estava ruim, o que fazia a vocalista Ana Marques ter que berrar cada uma de suas palavras. Mas foi essa atitude que me fez escutar as coisas de uma forma mais atenciosa dessa vez. Na primeira vez em que vi a Radioativa, lembro de um bando de meninos no palco fazendo um som que me prendeu de cara (tanto que cá estou até hoje), mas que ainda tinha algumas coisas a evoluir. Hoje eu já consigo enxergar uma banda formada. Ainda não sei exatamente o que faltava, mas poderia chutar que era um pouco mais de confiança. E agora a confiança está ali, junto com a experiência, a maturidade e o reconhecimento que está chegando aos poucos, mas é cada vez mais visível. Em muito pouco tempo eu criei uma empatia forte com essa banda e agora sinto-me feliz em dizer que os meus meninos cresceram.
Deia Cassali veio em seguida e apresentou um repertório de covers de grandes nomes do rock, provando que absolutamente qualquer coisa fica bem na voz dela. Sem contar que um set list que começa com Pitty e termina com Nirvana só pode ter sido feito especialmente para me fazer feliz. Passando por System of a Down e Audioslave, Deia também mostrou um pouco das músicas do seu disco Sujeira Visceral, que eu já tinha escutado antes do show e que carrega em seu título a palavra que o define. A coisa é realmente visceral, tirada do fundo da garganta entre gritos de uma voz extremamente potente. Senti falta de mais sons autorais, mas acredito que todas as circunstâncias que rondaram o show o tornaram mais uma reunião de amigos do que de fato uma apresentação de repertório. Entre os blocos, Deia aproveitou a situação intimista para mandar um recado sobre a união que falta tanto na cena atual e que é extremamente necessária para fazer o rock voltar a ser bem mais do que um estilo musical no dia-a-dia da sociedade atual. Porque quem já passou dos vinte há um tempo ainda consegue se lembrar daquele rock que sacudia a mente das pessoas, que era a cara de movimentos políticos e uma arma para lutar contra as inquietudes da juventude e de qualquer um que não se sentisse satisfeito com a realidade em que era obrigado a viver.
Mais importante do que todas as músicas foi a mensagem que aquela noite passou. Em um momento eu estava olhando pela sacada do Espaço Marun e vi algumas pessoas com camisa dos Rolling Stones saindo do metrô do Catete. Aquela galera pagou uma grana, enfrentou chuva, alagamentos, trânsito, multidão, e nada disso as impediu de estar lá para ver uma banda que elas talvez nem amem tanto assim, mas que é indiscutivelmente uma das maiores ainda ativas. Só que quando o assunto é o underground, essa paixão some. Tudo parece muito longe e cansativo, tudo se torna difícil. Os próprios integrantes não se esforçam para estar em apresentações de outros colegas. O recado que a Deia passou no final de seu show é o que eu mais quero conseguir retransmitir por aqui: unam-se. Existe espaço para todo mundo e valorizar o trabalho do colega não vai prejudicar o seu. O rock precisa voltar a ter a força, a potência que sempre teve. E uma banda sozinha não conseguirá conquistar isso.

Conheça as bandas:
161
Radioativa
Deia Cassali