Matanza: onde a agressividade se separa da violência

Publicado originalmente em Flash Press.

Eu estava no ônibus indo para a Lapa, sem fones de ouvido dessa vez, apenas olhando através do vidro e pensando em quanto sono eu estava sentindo. Por isso foi bem rápido notar que uma briga estava acontecendo lá no fundo do veículo, antes mesmo do cobrador levantar aos gritos e mandar todo mundo descer. Uma mulher bastante masculinizada estava alegando que um senhor a havia agredido. O senhor estava apenas imóvel, sem dizer uma palavra, como se o assunto nem lhe dissesse respeito. Antes de eu entender o que estava acontecendo, achei que era um assalto e já arrumei minhas coisas para sair dali o mais rápido possível. Não sei se realmente havia acontecido uma agressão, mas seria ruim de qualquer jeito - ou a mulher estava inventando história para prejudicar um velho, ou um homem de idade havia batido em uma "sapatão". Eu não quis ficar ali para saber, e até agora não sei. Mas meus pensamentos continuaram correndo e naquele instante eu percebi qual era esse tal "pior cenário possível" que serviu de inspiração para as músicas do mais recente disco do Matanza, que seria lançado dali a algumas horas no Circo Voador. Continuei o caminho a pé, fiquei na fila com minha amiga que consegui convencer a me fazer companhia e entrei. E foi assim que a noite começou.
O som já começou a rolar junto com a abertura da casa. Enquanto estava na fila já ouvia o som do Norte Cartel, banda de Cabo Frio que já tem seu nome na cena da Região dos Lagos. Eu já conhecia os caras lá dos meus tempos de rock no interior do estado, e meu primeiro susto foi olhar para o palco de dar de cara com Pascoal Mello, vocalista da Cervical, que foi dar uma força para os parceiros de cena já que o vocalista Felipe Chehuan não pôde estar presente. A combinação funcionou bem. A Norte Cartel fez bonito e com certeza chamou atenção da galera que chegou mais cedo. Na sequência, os Zumbis do Espaço continuaram a festa com seu horror rock de pegada oitentista. Na hora lembrei dos meus tempos de rádio, quando apresentava o Dinossauros do Rock e tocava uma porrada atrás da outra, sem tempo para respirar. O Circo foi ficando mais cheio, as rodas foram ficando maiores, e os caras já deixaram o caos formado para a grande atração da noite.
Quando o Matanza subiu ao palco, eu decidi fazer uma coisa que não fazia há muito tempo e me juntei ao público, ali do lado esquerdo do palco, perto de onde a coisa toda estava acontecendo. A única foto que saiu (e que ilustra essa matéria) foi mais para mostrar a minha posição do que qualquer outra coisa, porque eu precisava registrar um evento que não acontece há tantos anos. Eu decidi mergulhar naquele clima e o show não deu uma mísera chance de sair dele já que as músicas eram engatadas na anterior, sem nem um segundo de pausa. A melhor coisa do rock ainda é aquela sensação de fazer parte de um mar de gente, com corpos se chocando, um movimento contínuo em que tudo flui - com agressividade, mas sem violência. Dá para entender? O setlist foi bem diverso, passando por várias fazes da carreira da banda. Foram quase quarenta músicas que apresentaram o lançamento da noite, o disco Pior Cenário Possível, e provaram que a temática mais sombria não destoa nada do trabalho que o Matanza tem feito nos últimos anos. A raiva continua no mesmo lugar, apesar de sair um pouco dos bares e estar direcionada para esse mundo bagunçado em que estamos vivendo atualmente. Ainda assim, Jimmy London deixou claro que todos nós tínhamos um compromisso após o show e fechou a apresentação com a clássica O Chamado do Bar.
Bem, eu não fui. Preferi ficar um tempo abusando da segurança do Circo Voador e peguei um táxi para casa depois. O tema da conversa com o taxista passou pela índole das pessoas, pelo quanto parece fácil passar por cima da vida dos outros nesses tempos. Queria muito saber onde foi que a violência e a agressividade se confundiram tanto. E espero que eu nunca perca o foco desse limite.

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